sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

ABELHAS APERFEIÇOARAM MECANISMO PARA CRIAR FÊMEAS

 
Se você achava complicado decorar que, entre os seres humanos, quem tem dois cromossomos X é mulher e quem tem um X e um Y é homem, é porque nunca viu o sistema de determinação sexual das abelhas. Uma equipe internacional de pesquisadores, incluindo um brasileiro, parece finalmente ter matado essa charada. As abelhas domésticas (Apis mellifera) usam dois genes, um dos quais surgiu há pouco tempo em termos evolutivos e age sobre o outro, para criar as “meninas” ou “meninos” da espécie.

A descoberta está na edição desta semana da revista científica “Nature”, num artigo coordenado por Martin Hasselmann, da Universidade Henrich Heine em Dusseldorf (Alemanha). Também participaram do trabalho cientistas dinamarqueses e o biólogo Carlos Gustavo Nunes-Silva, que fez seu doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e na Alemanha e hoje é professor do Centro Universitário Nilton Lins, em Manaus.

Costuma-se dizer que as fêmeas de abelha têm duas cópias de seu material genético, enquanto os machos têm só uma. Isso ocorre porque os zangões desenvolvem-se a partir de ovos não-fecundados, sem contribuição de um pai. Mas é uma meia-verdade, explica Nunes Silva. “Existem machos diplóides (ou seja, com duas cópias de material genético), mas eles nascem com dificuldades, não são capazes de se reproduzir e acabam sendo mortos pelas próprias abelhas operárias”, contou o pesquisador ao G1.

O normal, portanto, é que os zangões sejam haplóides (com uma só cópia de DNA). Recentemente, os pesquisadores descobriram um gene conhecido como csd é o responsável pelas diferenças entre os sexos nas abelhas diplóides. Existem pelo menos 15 formas variantes do csd na população. Basta que a abelha herde uma versão da mãe e uma outra versão diferente do pai para ser fêmea. Por outro lado, se tiver o azar de herdar versões iguais do pai e da mãe, vira macho diplóide – e morre sem ter filhos.

Mais complicado – O que o pesquisador brasileiro e seus colegas descobriram, no entanto, é que a situação é ainda mais complicada. Na verdade, o csd funciona como uma espécie de gatilho, ou interruptor, que ativa outro gene, que eles batizaram de fem (de “feminizador”).

Eles fizeram experimentos precisos de biologia molecular para elucidar a interação entre um gene e outro. Uma técnica conhecida como interferência de RNA, aplicada de forma específica sobre o csd, impediu que o gene servisse como “receita” para fabricar proteínas que realmente tivessem uma função no organismo. Sem a influência da proteína codificada pelo csd, é como se as instruções fornecidas pelo fem voltassem à “forma-padrão” de macho. Na prática, o gene passa a ser “lido” como se tivesse uma mensagem de “parada de produção” – e os indivíduos se tornam machos.

Os pesquisadores também examinaram a ocorrência desses genes em vários parentes, próximos e distantes, das abelhas domésticas, além de estudar a seqüência de “letras” de DNA que compõem o csd e o fem. A surpresa é que eles são tão parecidos em sua seqüência que provavelmente, há milhões de anos, eram o mesmo gene, que teria sido duplicado e seguido trajetórias diferentes mais tarde. E o fem provavelmente é o gene original, porque também aparece na jupará (Melipona compressipes), uma abelhinha brasileira sem ferrão cuja linhagem se separou do subgrupo da abelha doméstica há um bocado de tempo.

Seleção natural – A análise genética também revelou que o novo arranjo de interação entre os genes foi favorecido pela seleção natural, provavelmente pela necessidade de manter a variabilidade que impede o nascimento de machos diplóides. “Essa parece ter sido a solução que a natureza encontrou”, afirma Nunes-Silva.

O pesquisador está estudando como o fenômeno se dá entre as abelhas nativas do Brasil. Há sinais de mais de 30 versões diferentes do precursor do fem e do csd entre elas, conta Nunes-Silva. O desmatamento na Amazônia, no entanto, pode fragilizar a resistência genética dos insetos. É que as populações de abelhas nativas podem ficar isoladas em fragmentos de mata, ilhados em meio a áreas desmatadas. Com isso, existem menos variantes do gene disponíveis para cruzamento, o que leva a uma maior proporção de machos estéreis – uma ameaça à sobrevivência dessas populações.

Reinaldo José Lopes/ G1

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