Vanderlan é presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), e integra a coordenação da rede BIOprospecTA, do programa Biota-FAPESP. Na Unesp, é assessora da Pró-Reitoria de Pesquisa e coordenadora do Núcleo de Bioensaio, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais do IQ-Ar (NuBBE)
A fim de aproveitar os imensos recursos da biodiversidade da Amazônia, o Brasil precisa deixar de lado o modelo extrativista e investir na exploração do potencial da floresta como fonte de biomoléculas, segundo a professora Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Mas, para chegar a adotar esse modelo de exploração sustentável do ponto de vista social e ambiental, utilizando novas estratégias de bioprospecção de modo a desenvolver fármacos e produtos com valor agregado, o país precisará reformar seus marcos regulatórios em relação à propriedade intelectual e ao acesso à biodiversidade da floresta por parte dos cientistas, destacou em entrevista à Agência FAPESP.
Durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em julho, da qual a senhora participou, diversos cientistas manifestaram desânimo com o ritmo atual da descoberta de novos fármacos e apontaram que o potencial da biodiversidade brasileira é muito mal aproveitado. A bioprospecção não está obtendo sucesso? Ouvimos dizer eventualmente que a bioprospecção está em baixa, mas não é verdade. A natureza continua sendo a maior fonte de produtos com valor agregado. No entanto, há problemas atualmente em relação à forma como ela é encarada na pesquisa para a descoberta de novos fármacos.
Há uma grande oligopolização do setor de fármacos no plano nacional e internacional. Hoje, na abordagem da grande indústria farmacêutica, o tratamento disponível para a maior parte das doenças não está focado na cura, mas sim nos sintomas, pois grande parte das doenças é multifatorial. Com isso, o custo seria muito alto para investir em bioprospecção.
Muitos dos países centrais desativaram, a partir da década de 1990, suas linhas de bioprospecção. Nesses países, a floresta começou a sair do foco e a busca foi intensificada em outros nichos ecológicos como o mar e os microorganismos. Mas isso não significa um fracasso da bioprospecção na Amazônia, representa nossa chance de começar a fazê-la por nós mesmos.
Então o potencial da biodiversidade amazônica ainda está por ser explorado? Sim, mas será preciso fazer isso de uma forma racional, que é aproveitar a floresta como fonte de biomoléculas e não explorá-la por meio do extrativismo.
A Amazônia - como o Brasil de modo geral - passou por vários ciclos extrativistas, que não desenvolveram a região. Ao contrário, tratava-se de um modelo extrativista que esgotava os recursos naturais e destruía a floresta, ocasionando a perda de informação genética e química e a falta de controle pelas populações locais - que por sua vez praticavam um extrativismo primitivo e de subsistência, que não esgotava as fontes.
Uma consequência desastrosa desse tipo de extrativismo predatório é que hoje a maioria das patentes de plantas da Amazônia não é brasileira. Fui recentemente aos Estados Unidos e vi nas body shops produtos como creme de andiroba e xampu de caturité - todos caríssimos - feitos a partir de extratos comprados a preços muito baixos.
O potencial econômico da cadeia produtiva de plantas medicinais é muito grande. O preço médio desses produtos no comércio exterior é de US$ 41 por quilo, enquanto na cadeia produtiva de soja, o preço médio é de US$ 0,23. E nós exportamos soja e importamos plantas medicinais. O país perde por não investir em biomoléculas.
O que seria preciso para proteger esse conhecimento e usar a biodiversidade para gerar valor? É preciso fomentar a pesquisa na Amazônia e implantar uma série de incentivos para fixar doutores na região, criando uma massa crítica de pesquisa e consolidando um ambiente científico e tecnológico forte. Por outro lado, seria preciso diminuir os entraves para o acesso à biodiversidade pelos cientistas. Sem isso, continuaremos a reproduzir a situação atual: a floresta é muito devastada, mas ao mesmo tempo, muito pouco explorada.
Quais são os principais entraves? Um grande problema do desenvolvimento de inovação tecnológica no Brasil - e isso não é exclusivo da Amazônia - são os marcos regulatórios. A ausência de uma política industrial tem um impacto grande. Não se pode fazer desenvolvimento, principalmente a partir da biodiversidade, com a atual legislação de acesso. Não se pode fazer química e farmacologia com produtos da floresta sem obtenção da licença, que é hoje uma tarefa quase impossível. Conta-se nos dedos quantos pesquisadores no país têm a licença.
Isso significa que a legislação atual simplesmente não funciona. O alto custo dos procedimentos de pesquisa exigido pela legislação ocasiona incertezas de retorno dos investimentos.
Começando a investir hoje na formação de recursos humanos para pesquisa na Amazônia, em quanto tempo o quadro atual será alterado? É preciso, antes de mais nada, criar mais cursos de pós-graduação na região. Vai levar algum tempo para formar uma geração de pesquisadores. Formamos um mestre em dois anos e um doutor em quatro. Eles terão necessidade de sedimentar o conhecimento que produzirem e de se profissionalizar. Creio que, começando agora, levaremos pelo menos dez anos para ter pesquisa à altura das necessidades na região. Isso já está começando a ser feito. Mas o importante é que haja continuidade.
Como fazer para que os doutores formados na Amazônia permaneçam na região? Não se pode resumir a política à distribuição de bolsas. Apenas com isso o pesquisador não é absorvido, não se fixa na região. Esse é o grande problema da nossa inovação, não apenas da Amazônia: temos que fixar doutores na indústria. É preciso também que as estratégias atuais do governo se tornem plano de Estado, para que os investimentos em tecnologia e inovação permaneçam crescendo sempre. Só assim é possível mudar uma nação. Nesse sentido, a experiência paulista, com a FAPESP, é exemplar.
O modelo do BIOprospecTA poderia ser reproduzido na Amazônia? Não apenas o BIOprospecTA, mas o programa Biota e a própria FAPESP, na sua maneira de fazer fomento, são modelos de inspiração importante. O que faz a diferença em São Paulo é que há um controle rigoroso, com metas estabelecidas e cobrança, com apresentação de relatórios. É um modelo sério e bem-sucedido a ser seguido.
A disciplina é essencial - se os relatórios não são satisfatórios, o financiamento de verbas é suspenso. Por outro lado, o governo paulista repassa as verbas à Fundação rigorosamente. Outro fator importante é que o BIOprospecTA e o Biota já acordaram para as novas tendências da bioprospecção.
Quais são essas tendências? As abordagens atuais de bioprospecção utilizam robôs e equipamentos altamente sofisticados, com resultados mais rápidos e precisos. E é muito voltada, como eu já disse, para outros ecossistemas, como o mar e os microrganismos.
A fim de aproveitar os imensos recursos da biodiversidade da Amazônia, o Brasil precisa deixar de lado o modelo extrativista e investir na exploração do potencial da floresta como fonte de biomoléculas, segundo a professora Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Mas, para chegar a adotar esse modelo de exploração sustentável do ponto de vista social e ambiental, utilizando novas estratégias de bioprospecção de modo a desenvolver fármacos e produtos com valor agregado, o país precisará reformar seus marcos regulatórios em relação à propriedade intelectual e ao acesso à biodiversidade da floresta por parte dos cientistas, destacou em entrevista à Agência FAPESP.
Durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em julho, da qual a senhora participou, diversos cientistas manifestaram desânimo com o ritmo atual da descoberta de novos fármacos e apontaram que o potencial da biodiversidade brasileira é muito mal aproveitado. A bioprospecção não está obtendo sucesso? Ouvimos dizer eventualmente que a bioprospecção está em baixa, mas não é verdade. A natureza continua sendo a maior fonte de produtos com valor agregado. No entanto, há problemas atualmente em relação à forma como ela é encarada na pesquisa para a descoberta de novos fármacos.
Há uma grande oligopolização do setor de fármacos no plano nacional e internacional. Hoje, na abordagem da grande indústria farmacêutica, o tratamento disponível para a maior parte das doenças não está focado na cura, mas sim nos sintomas, pois grande parte das doenças é multifatorial. Com isso, o custo seria muito alto para investir em bioprospecção.
Muitos dos países centrais desativaram, a partir da década de 1990, suas linhas de bioprospecção. Nesses países, a floresta começou a sair do foco e a busca foi intensificada em outros nichos ecológicos como o mar e os microorganismos. Mas isso não significa um fracasso da bioprospecção na Amazônia, representa nossa chance de começar a fazê-la por nós mesmos.
Então o potencial da biodiversidade amazônica ainda está por ser explorado? Sim, mas será preciso fazer isso de uma forma racional, que é aproveitar a floresta como fonte de biomoléculas e não explorá-la por meio do extrativismo.
A Amazônia - como o Brasil de modo geral - passou por vários ciclos extrativistas, que não desenvolveram a região. Ao contrário, tratava-se de um modelo extrativista que esgotava os recursos naturais e destruía a floresta, ocasionando a perda de informação genética e química e a falta de controle pelas populações locais - que por sua vez praticavam um extrativismo primitivo e de subsistência, que não esgotava as fontes.
Uma consequência desastrosa desse tipo de extrativismo predatório é que hoje a maioria das patentes de plantas da Amazônia não é brasileira. Fui recentemente aos Estados Unidos e vi nas body shops produtos como creme de andiroba e xampu de caturité - todos caríssimos - feitos a partir de extratos comprados a preços muito baixos.
O potencial econômico da cadeia produtiva de plantas medicinais é muito grande. O preço médio desses produtos no comércio exterior é de US$ 41 por quilo, enquanto na cadeia produtiva de soja, o preço médio é de US$ 0,23. E nós exportamos soja e importamos plantas medicinais. O país perde por não investir em biomoléculas.
O que seria preciso para proteger esse conhecimento e usar a biodiversidade para gerar valor? É preciso fomentar a pesquisa na Amazônia e implantar uma série de incentivos para fixar doutores na região, criando uma massa crítica de pesquisa e consolidando um ambiente científico e tecnológico forte. Por outro lado, seria preciso diminuir os entraves para o acesso à biodiversidade pelos cientistas. Sem isso, continuaremos a reproduzir a situação atual: a floresta é muito devastada, mas ao mesmo tempo, muito pouco explorada.
Quais são os principais entraves? Um grande problema do desenvolvimento de inovação tecnológica no Brasil - e isso não é exclusivo da Amazônia - são os marcos regulatórios. A ausência de uma política industrial tem um impacto grande. Não se pode fazer desenvolvimento, principalmente a partir da biodiversidade, com a atual legislação de acesso. Não se pode fazer química e farmacologia com produtos da floresta sem obtenção da licença, que é hoje uma tarefa quase impossível. Conta-se nos dedos quantos pesquisadores no país têm a licença.
Isso significa que a legislação atual simplesmente não funciona. O alto custo dos procedimentos de pesquisa exigido pela legislação ocasiona incertezas de retorno dos investimentos.
Começando a investir hoje na formação de recursos humanos para pesquisa na Amazônia, em quanto tempo o quadro atual será alterado? É preciso, antes de mais nada, criar mais cursos de pós-graduação na região. Vai levar algum tempo para formar uma geração de pesquisadores. Formamos um mestre em dois anos e um doutor em quatro. Eles terão necessidade de sedimentar o conhecimento que produzirem e de se profissionalizar. Creio que, começando agora, levaremos pelo menos dez anos para ter pesquisa à altura das necessidades na região. Isso já está começando a ser feito. Mas o importante é que haja continuidade.
Como fazer para que os doutores formados na Amazônia permaneçam na região? Não se pode resumir a política à distribuição de bolsas. Apenas com isso o pesquisador não é absorvido, não se fixa na região. Esse é o grande problema da nossa inovação, não apenas da Amazônia: temos que fixar doutores na indústria. É preciso também que as estratégias atuais do governo se tornem plano de Estado, para que os investimentos em tecnologia e inovação permaneçam crescendo sempre. Só assim é possível mudar uma nação. Nesse sentido, a experiência paulista, com a FAPESP, é exemplar.
O modelo do BIOprospecTA poderia ser reproduzido na Amazônia? Não apenas o BIOprospecTA, mas o programa Biota e a própria FAPESP, na sua maneira de fazer fomento, são modelos de inspiração importante. O que faz a diferença em São Paulo é que há um controle rigoroso, com metas estabelecidas e cobrança, com apresentação de relatórios. É um modelo sério e bem-sucedido a ser seguido.
A disciplina é essencial - se os relatórios não são satisfatórios, o financiamento de verbas é suspenso. Por outro lado, o governo paulista repassa as verbas à Fundação rigorosamente. Outro fator importante é que o BIOprospecTA e o Biota já acordaram para as novas tendências da bioprospecção.
Quais são essas tendências? As abordagens atuais de bioprospecção utilizam robôs e equipamentos altamente sofisticados, com resultados mais rápidos e precisos. E é muito voltada, como eu já disse, para outros ecossistemas, como o mar e os microrganismos.
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