segunda-feira, 23 de agosto de 2010

PRECISAMOS DA CIÊNCIA PARA SUSTENTAR A VIDA E O PLANETA


José Mujica é presidente do Uruguai

Necessitamos de um conhecimento científico que seja propriedade de toda a humanidade e esteja a serviço dela, isto é, de todos os povos, afirma neste artigo o ex-guerrilheiro e presidente do Uruguai, José Mujica.

Coube a nós viver um tempo de aprendizes de bruxo. Colocamos em marcha uma civilização que conseguiu melhorar a vida de muitíssima gente, mas, talvez, apressadamente. Não podíamos medir as consequências de tantas coisas que estávamos fazendo ao planeta. Esta nave com a qual andamos pelo universo tem suas próprias complexidades e agora estamos aprendendo, com dor, que temos de modificar muitos aspectos de nosso comportamento para que a Terra se mantenha sustentável.

Isto é indispensável para a manutenção de todas as formas de vida, e, com isso, a nossa. Não somos tão poderosos nem tão sábios como às vezes cremos. Os jogos profundos de interrelação da natureza e das atividades humanas trazem profundos mistérios. Temos de agradecer primeiramente aos cientistas que dedicam suas vidas a indagar os segredos da natureza. Esta dedicação só pode ser explicada por uma paixão pela causa humana.

Atualmente, ninguém pode se fazer de desentendido quanto aos desafios de conviver e tornar sustentável o meio ambiente. Todos somos responsáveis. Porém, existe uma responsabilidade muito maior daqueles que primeiro se colocaram como donos da civilização moderna e contemporânea. E esta não é uma causa nacional, é uma causa universal. Nenhum país, por mais poderoso que seja, pode garantir a continuidade do que está em jogo.

Por isso os acordos de caráter mundial são cada vez mais necessários. Devem poder contar com a fidelidade de seu cumprimento por parte de todos os integrantes da comunidade mundial, com sustentabilidade de recursos, com uma preocupação latente, mas organizada, e, especialmente, com um trabalho concertado de homens e mulheres da ciência para enfrentar desafios como o de uma grande ampliação da extensão agrícola.

Hoje sabemos de muitas coisas que deveríamos fazer, mas não sabemos aplicar em massa. Por isso, educar e formar pessoas é decisivo. Precisamos pesquisar muito mais e elaborar um tipo de conhecimento que seja propriedade e que esteja a serviço deliberado de toda a humanidade, isto é, que seja acessível a todos os povos. Nesta parte da América, temos desafios que valeria a pena investigar em profundidade. Por exemplo, nos faz falta saber muito mais sobre o ciclo do fósforo. Não só nos envenenamos com mercúrio, como temos também graves problemas com o chumbo e outros contaminantes tóxicos.

Isto ocorre nesta região do mundo onde fica uma das maiores reservas agrícolas e alimentares da humanidade, e onde teremos de duplicar a produtividade para atender a crescente demanda mundial por alimentos. Contudo, a forma de fertilização que aplicamos é imprópria para respeitar o meio ambiente. E não sabemos ainda dominar vastíssimos fenômenos de nutrição vegetal.

Neste momento, o Uruguai tem no horizonte a angústia do que acontece ou não acontece no distante Oceano Pacífico. Um fenômeno como o El Niño pode repercutir neste país com uma eventual seca, e isto ocorre cada vez com maior frequência. Precisamos que a engenharia genética nos permita desenvolver vegetais muito mais resistentes à seca. No entanto, ainda não temos a capacidade de fazê-lo. Devemos trasladar para as grandes gramíneas a resistência do sorgo, mas tampouco sabemos fazê-lo. Essas respostas devem ser dadas por uma pesquisa a serviço da humanidade. E não se trata de um sonho, pois é perfeitamente possível.

A extensão agrícola é fundamental, mas insuficiente. A pesquisa intensiva deve ser incorporada, não apenas com um sentido de atualidade, como também para prever o que virá. Para isso precisamos da ciência. Todos estes esforços têm a ver com sustentar o meio ambiente para que a humanidade possa manter e melhorar sua vida, sempre com consciência social, pelo menos neste continente, que é um dos mais ricos em recursos naturais, e também o mais injusto da Terra porque distribui mal os frutos de sua riqueza. E a vida nos ensinou que quando há penúria, os setores mais fracos da sociedade são os que acabam pagando.

Direitos exclusivos IPS.
MONTEVIDÉU, Uruguai, 23 de agosto

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