Os problemas ambientais e sociais do mundo serãoresolvidos por negócios inovadores, que busquem o lucro. Eles disseminarão tecnologias mais limpas que substituirão as atuais poluidoras. E ajudarão a promover a inclusão social dos mais pobres como empreendedores, funcionários e consumidores. Essa visão, defendida pelo americano Stuart Hart, da escola de administração da Universidade Cornell, ganhou o mundo em 2002, a partir de um artigo escrito em parceria com o indiano Coimbatore Prahalad. Inspirou empresários e empreendedores sociais a estabelecer relações de ganhos mútuos com a então batizada “base da pirâmide”. Para divulgar essas práticas, Hart criou agora uma rede de centros de estudos em 18 países. O primeiro encontro global acontecerá em São Paulo, em 2014.
Por que devemos olhar para a base da pirâmide? A globalização econômica se desenvolveu. Nos últimos 20 ou 30 anos, está chegando a um ponto de inflexão. Ela começou nos anos 1980 e se desenvolveu ao longo da década de 1990, foi baseada em algumas poucas corporações multinacionais, que criavam produtos em seus países de origem, faziam algumas adaptações e vendiam nos mercados emergentes. Havia uma crescente classe média para comprar esses artigos criados pelas multinacionais dos Estados Unidos, da Europa ou do Japão. Isso permitiu que essas corporações crescessem tremendamente nos últimos 20 ou 25 anos. Certamente também melhorou a vida de milhares de pessoas, com acesso a esses produtos e serviços. O desafio agora é que a maioria das multinacionais se dirigia aos consumidores de maior renda. Esse mercado não cresce. O topo da pirâmide encolhe nos países ricos. Sim, há pessoas abastadas surgindo na China e na Índia. Mas você não quer apostar o futuro de sua companhia apenas nas vendas para pessoas ricas. Então, muitas dessas empresas estão migrando para a crescente classe média que surge nos países emergentes
Isso não é bom? Elas fazem isso usando basicamente os mesmos produtos, tecnologias, modelos de negócios e fontes de recursos, com algumas poucas adaptações. Há alguns cortes de custos, produção terceirizada. As multinacionais continuam muito similares em termos de perfil produtivo e ambiental. Quando você aumenta a escala disso, para atingir uma base de consumidores maior, os problemas ambientais aumentam de maneira significativa. É o que testemunhamos hoje ao redor do mundo. Se você for à China, essa será uma das primeiras coisas que os líderes chineses lhe dirão. O meio ambiente é uma de suas maiores preocupações. Pode implodir o país. Esse modelo de globalização está, progressivamente, criando um desastre ambiental e não pode continuar dessa forma. E ele ainda não incluiu os dois terços da população mundial na base da pirâmide social. A classe média ascendente deve equivaler a 1,5 bilhão de pessoas. O topo da pirâmide corresponde a 800 milhões. Restam ainda 4 bilhões ou 5 bilhões de pessoas na base da pirâmide, ainda não incluídas no que eu chamaria de “sonho capitalista”. Não podemos manter esse modelo.
Por quê? Primeiro, porque ele destruirá o meio ambiente. Em segundo lugar, porque ele não funciona do ponto de vista econômico. É muito custoso. As pessoas na base da pirâmide não podem comprar produtos e serviços criados para o topo. A única maneira de isso acontecer é dar um salto. Isso pode ser feito por meio de empreendedores independentes, que vejam oportunidades. É disso que tratam o empreendedorismo social, os negócios sociais, os negócios inclusivos e todas essas novas palavras da moda. Ou pode ser feito pelas grandes empresas que vejam isso como futuro e lancem novas iniciativas, projetadas para criar modelos de negócios revolucionários, que tragam tecnologias limpas e possam servir àqueles que foram menos atendidos a custos com que possam arcar. Do ponto de vista competitivo, as grandes empresas do século XXI serão as que dominarem essa fórmula. As que ignorarem isso desaparecerão. Porque estamos passando por um período de transformações, que está redefinindo todo o conceito de capitalismo.
O Brasil deveria se preocupar em oferecer um ambiente mais favorável a esses novos negócios, com menos impostos e burocracia? Ainda não está claro se as democracias representativas são capazes de agir no nível necessário para que isso aconteça. Você pode ver essa dificuldade hoje nos EUA. As indústrias petroquímicas, farmacêuticas e financeiras criam verdadeiras amarras em torno do sistema político, de modo que nada muda. Ao menos nada de substancial. E as inovações de que falamos são rupturas. Elas não são incrementos. Como empreen-dedores, como empresários, precisamos criar estratégias que suplantem as políticas públicas. Muitas estratégias de empresas de tecnologia limpa se baseiam na promessa de subsídios do governo. Aí vem a eleição, aquele partido sai do poder, os subsídios acabam, e a indústria morre. Como capitalistas do século XXI, precisamos de imaginação para criar estratégias independentes das políticas públicas. E então, mesmo num ambiente de políticas públicas hostis, a estratégia funcionará.
O senhor pode citar exemplos? A empresária carioca Zica criou uma rede de salões Beleza Natural a partir de uma favela do Rio de Janeiro. Ela reconheceu uma oportunidade para criar não só orgulho e dignidade nas comunidades, mas condições de subsistência e mesmo ascensão social. E sem que exista uma política pública para apoiá-la. Estamos conversando com o Sebrae sobre um programa para identificar e auxiliar empreendedores que promovam uma mentalidade local e queiram crescer. Muitos pequenos negócios não querem se tornar grandes. Não há nada de errado nisso. Mas eles têm um potencial de transformação limitado. Há 10 milhões de empresas informais no Brasil, que empregam 12 milhões de pessoas – 1,2 por negócio. Isso é ótimo, claro. Mas queremos acelerar a criação de grandes empresas do amanhã, que virão do nada para transformar a economia, criar um grande número de empregos. É disso que precisamos.
Como ajudar esses empreendedores? Trabalho muito na China e observo o que eles fazem. Uma das vantagens do regime chinês é que ele pode contornar as amarras políticas. Estamos fazendo negócios verdes na China, e há um afã por novos modelos que poderão ser testados lá, em nível municipal. Porque eles sabem que o desenvolvimento aplicado em Pequim ou Xangai é insustentável. Nas cidades emergentes menores, os líderes locais buscam modelos alternativos. Os chineses adoram a ideia de comunidades experimentais, cidades experimentais, zonas experimentais. Se você consegue provar que funciona, isso se propaga rapidamente na hierarquia do partido e é aplicado em nível nacional. Se estivermos procurando um lugar em que haja a possibilidade de surgirem políticas públicas ecologicamente sustentáveis, esse lugar é a China.
Por quê? Porque eles não são uma democracia. E porque o Partido Comunista é composto de pessoas inteligentes e, definitivamente, ditatoriais. Quando se trata de criar políticas públicas capazes de mudar as coisas numa direção completamente diferente, são maiores as chances de isso acontecer na China do que nos EUA, no Brasil ou na Índia, países em que há espaço para conflito democrático e transparência. Tudo isso junto produz mudanças muito lentas.
Uma companhia deve ser cobrada por benefícios sociais ou pela geração de retorno financeiro? Essa é uma falsa escolha. Há aqueles piratas apenas interessados em fazer dinheiro tão rápido quanto podem. Eles não costumam durar muito, porque geralmente fazem algo ilegal. Também é possível fazer isso pelas vias legais e prosperar por algum tempo. A principal premissa das empresas sustentáveis é criar produtos com valor social associado, que resolvam problemas ambientais, e cresçam e gerem lucro. Olhando para o futuro, acredito que essa se tornará a única maneira de obter um retorno significativo com o tempo. À medida que as coisas se tornam mais abertas, mais transparentes; quanto mais as redes sociais se desenvolvem, mais fica difícil os piratas esconder o que fazem. No passado, pensava-se: não é papel dos empresários se preocupar com os pobres ou com o meio ambiente. Esperava-se das empresas que elas se preocupassem com a regulação. Ou então se pensava: “Esses caras fazem muito dinheiro. Eles sempre podem doar parte desse dinheiro. Mas não devem mexer com o retorno dos investidores”. Isso está desaparecendo. As empresas precisam ter uma mentalidade mais ampla.
Se a empresa faz esses investimentos como estratégia de crescimento, por que precisa exibir isso como boa ação nos relatórios socioambientais? Bem, é uma escolha. Pessoalmente, acho melhor deixar que suas ações falem por si mesmas. Num ambiente competitivo, cada vez mais elas serão avaliadas com base no que fazem, e não com base naquilo que dizem.
Como a crise financeira afetou empreendimentos de impacto social?Para as grandes corporações globais, há a tendência de simplesmente cortar custos. Iniciativas de impacto social são cortadas, sem que se pense duas vezes. Algumas empresas percebem que não serão mais capazes de obter os mesmos lucros de antes apenas dobrando a produção para o topo da pirâmide ou para a classe média crescente. Se elas quiserem manter o ritmo agressivo de crescimento, terão de descobrir como fazer negócios com a base da pirâmide. A maioria dessas empresas já sabe disso, a esta altura.
Alexandre Mansur
Revista Epoca
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