A descoberta está na edição desta semana da revista científica “Nature”, num artigo coordenado por Martin Hasselmann, da Universidade Henrich Heine em Dusseldorf (Alemanha). Também participaram do trabalho cientistas dinamarqueses e o biólogo Carlos Gustavo Nunes-Silva, que fez seu doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e na Alemanha e hoje é professor do Centro Universitário Nilton Lins, em Manaus.
Costuma-se dizer que as fêmeas de abelha têm duas cópias de seu material genético, enquanto os machos têm só uma. Isso ocorre porque os zangões desenvolvem-se a partir de ovos não-fecundados, sem contribuição de um pai. Mas é uma meia-verdade, explica Nunes Silva. “Existem machos diplóides (ou seja, com duas cópias de material genético), mas eles nascem com dificuldades, não são capazes de se reproduzir e acabam sendo mortos pelas próprias abelhas operárias”, contou o pesquisador ao G1.
O normal, portanto, é que os zangões sejam haplóides (com uma só cópia de DNA). Recentemente, os pesquisadores descobriram um gene conhecido como csd é o responsável pelas diferenças entre os sexos nas abelhas diplóides. Existem pelo menos 15 formas variantes do csd na população. Basta que a abelha herde uma versão da mãe e uma outra versão diferente do pai para ser fêmea. Por outro lado, se tiver o azar de herdar versões iguais do pai e da mãe, vira macho diplóide – e morre sem ter filhos.
Mais complicado – O que o pesquisador brasileiro e seus colegas descobriram, no entanto, é que a situação é ainda mais complicada. Na verdade, o csd funciona como uma espécie de gatilho, ou interruptor, que ativa outro gene, que eles batizaram de fem (de “feminizador”).
Eles fizeram experimentos precisos de biologia molecular para elucidar a interação entre um gene e outro. Uma técnica conhecida como interferência de RNA, aplicada de forma específica sobre o csd, impediu que o gene servisse como “receita” para fabricar proteínas que realmente tivessem uma função no organismo. Sem a influência da proteína codificada pelo csd, é como se as instruções fornecidas pelo fem voltassem à “forma-padrão” de macho. Na prática, o gene passa a ser “lido” como se tivesse uma mensagem de “parada de produção” – e os indivíduos se tornam machos.
Os pesquisadores também examinaram a ocorrência desses genes em vários parentes, próximos e distantes, das abelhas domésticas, além de estudar a seqüência de “letras” de DNA que compõem o csd e o fem. A surpresa é que eles são tão parecidos em sua seqüência que provavelmente, há milhões de anos, eram o mesmo gene, que teria sido duplicado e seguido trajetórias diferentes mais tarde. E o fem provavelmente é o gene original, porque também aparece na jupará (Melipona compressipes), uma abelhinha brasileira sem ferrão cuja linhagem se separou do subgrupo da abelha doméstica há um bocado de tempo.
Seleção natural – A análise genética também revelou que o novo arranjo de interação entre os genes foi favorecido pela seleção natural, provavelmente pela necessidade de manter a variabilidade que impede o nascimento de machos diplóides. “Essa parece ter sido a solução que a natureza encontrou”, afirma Nunes-Silva.
O pesquisador está estudando como o fenômeno se dá entre as abelhas nativas do Brasil. Há sinais de mais de 30 versões diferentes do precursor do fem e do csd entre elas, conta Nunes-Silva. O desmatamento na Amazônia, no entanto, pode fragilizar a resistência genética dos insetos. É que as populações de abelhas nativas podem ficar isoladas em fragmentos de mata, ilhados em meio a áreas desmatadas. Com isso, existem menos variantes do gene disponíveis para cruzamento, o que leva a uma maior proporção de machos estéreis – uma ameaça à sobrevivência dessas populações.
Reinaldo José Lopes/ G1
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