Um pescador
em Kerala, Índia, conserta redes na praia.
A poluição plástica pode danificar
obstruir as redes, mas agora os pescadores estão reagindo.
Foto de Frank Bienewald D. Getty Images
Pescadores indianos
estão transformando plástico do mar em estradas
KOLLAM, íNDIA. Kadalamma—Mar
Mãe—é como Xavier Peter chama o Mar Arábico. Sua própria mãe lhe deu vida, mas
Kadalamma deu-lhe um propósito, um meio de vida. Ela forneceu sustento para
ele, oferecendo peixe o suficiente para alimentar sua família e vender no
mercado. E ela o protegeu, poupando-o três vezes de ciclones e uma vez de um
tsunami.
Xavier pesca camarão e peixe na costa sudoeste da Índia há mais de
três décadas, toda sua vida adulta. Mas, ultimamente, quando ele lança as
redes, muitas vezes recebe mais plástico do que peixe.
“Puxar as redes para fora da água é
um esforço a mais com todo o plástico que vem enrolado nelas”, diz. “É como
tentar tirar água de poço – e seu balde, de alguma forma, fica sendo puxado
para baixo.”
Ele e os seis homens de sua
tripulação passam horas separando o lixo do pescado.
Para Xavier, toda essa provação é
um lembrete diário de que Kadalamma está doente, e que ele e sua cidade a deixaram
assim. “Esse é a maior fracasso da Índia”, lamenta.
Ele costumava somente suspirar e
jogar o plástico de volta ao mar. Não mais.
Desde agosto do ano passado, ele e
quase 5 mil outros pescadores e proprietários de barcos em Kollam – uma cidade
pesqueira de 400 mil habitantes no estado de Kerala – estão trazendo de volta
para a terra todo o plástico que encontram quando estão no mar.
Com a ajuda de várias agências
governamentais, eles também montaram o primeiro centro de reciclagem da região
para limpar, classificar e processar os sacos plásticos, garrafas, canudos,
chinelos e Barbies afogadas que foram jogados no mar e pescados por eles. Até
agora, eles coletaram cerca de 65 toneladas de lixo plástico.
Ondas de frustração
Não é preciso muito para convencer
as comunidades costeiras dos perigos do plástico, diz Peter Mathias, que lidera
um sindicato regional para proprietários e operadores de barcos de pesca. Há
anos, diz ele, os pescadores reclamam do plástico que fica preso em seus
equipamentos.
E isso nem é o pior. Há uma década, uma pequena tripulação como a
de Xavier conseguiria facilmente até quatro toneladas de peixe ao longo de uma expedição
de dez dias. Nos dias de hoje, ele terá sorte se conseguir pescar um quinto
disso. Embora muitos fatores, incluindo a mudança climática e a sobrepesca,
estejam afetando o estoque de peixes, o plástico é o culpado mais visível.
Muitos tipos de peixes facilmente confundem plástico com presas, e
estudos mostram que podem morrer de envenenamento ou desnutrição como resultado. Outros animais marinhos
ficam presos e são estrangulados por redes de pesca de náilon abandonadas.
Grandes pedaços de plástico no leito do mar também estão bloqueando o acesso de
algumas espécies aos seus criadouros.
“Está afetando nosso trabalho,” diz
Mathias. “Assim, manter o mar limpo é nossa responsabilidade e necessidade para
nossa sobrevivência como pescadores.”
Manter essa responsabilidade, no
entanto, provou ser um pouco mais complicado do que Mathias previa. Os
pescadores já recolhiam plástico sem necessidade; pedir-lhes que o fizessem com
um propósito seria um próximo passo lógico. O problema era que a região não
tinha sistema de coleta de lixo municipal, muito menos um programa de
reciclagem.
Quando uma aldeia vizinha de
mergulhadores de moluscos em Kerala tentou começar um programa semelhante para
limpar os remansos da cidade, eles perceberam que não tinham como eliminar todo
o lixo que recolhiam. Eles estavam, efetivamente, apenas transferindo lixo do
lago e do rio de volta para a terra.
Onda de ajuda
No verão passado, Mathias procurou
J. Mercykutty Amma, ministra estadual de pesca e nativa de Kollam, para
conseguir ajuda. “Eu disse: se nós nos encarregarmos de coletar plástico do mar
e trazê-lo de volta a terra, você pode nos ajudar a fazer algo com ele?”,
conta.
Ela disse que sim, mas
provavelmente não conseguiria fazer isso sozinha. Então, cerca de um mês
depois, ela trabalhou em outras cinco agências do governo, incluindo o
departamento de engenheiros civis, que concordaram em ajudar a construir uma
instalação de reciclagem e o departamento de capacitação de mulheres. Essa
agência é encarregada de melhorar as oportunidades de empregos para as mulheres
em um lugar onde muitas áreas, como a pesca, há muito tempo são dominadas por
homens. Assim, a agência ajudou a contratar uma equipe só de mulheres para
trabalhar lá.
Nos últimos meses, um grupo de 30
mulheres vem trabalhando em tempo integral para lavar e classificar
meticulosamente o plástico que os pescadores coletam. A maior parte está muito
danificada e corroída para ser reciclada de maneira tradicional. Em vez disso,
esse plástico é picado em forma de confete bem fino e é vendido para equipes de
construção locais que o usam para fortalecer o asfalto usado para pavimentar
estradas. Os recursos – juntamente com o dinheiro do subsídio do governo –
cobrem os salários das mulheres que é de 350 rúpias (cerca de R$19) por dia. O
sistema não é completamente autossuficiente, mas será no próximo ano, Mathias
espera.
“Reunimos tantos grupos tão
rapidamente para essa iniciativa”, diz ele. Mas ele está ainda mais orgulhoso
do fato de que “isso vem de nós, vem dos pescadores.”
Eles já ajudaram algumas
comunidades de pescadores nas proximidades, incluindo os coletores de moluscos
citados anteriormente, a obter financiamento para iniciar seus próprios
programas de coleta de reciclagem de plástico. Em breve, diz ele, pescadores
“de toda Kerala, de toda a Índia e de todo o mundo se unirão a nós”.
É uma declaração forte, mas a confiança de Mathias não é
necessariamente equivocada, diz Sabine Pahl, psicóloga da Unidade Internacional de Pesquisa de Lixo
Marinho da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, que pesquisa como
convencer as pessoas a cuidar melhor do planeta. Ela diz que envolver as
comunidades de pescadores na luta contra a poluição oceânica faz sentido e já
funcionou no passado. Desde 2009, o KIMO, grupo ambientalista do norte da
Europa, vem recrutando pescadores em partes do Reino Unido, Holanda, Suécia e
Ilhas Faroé para um programa similar chamado Fishing for Litter.
Divulgando a notícia
O programa indiano pode ter um potencial ainda maior, pelo “fato
de que os pescadores estão tomando a iniciativa”, diz Pahl. Em sua pesquisa, ela descobriu que as iniciativas ambientais mais eficazes
são as lideradas pela comunidade e “intrinsicamente motivadas” – isto é,
motivadas por altruísmo e pelo amor à natureza e à vida selvagem.
“É realmente poderoso porque os
pescadores estão na melhor posição para convencer o resto da comunidade – suas
famílias, vizinhos – dos perigos do plástico”, ela conta.
E é exatamente isso que eles estão
fazendo. Muitos dos pescadores no porto de Kollam dizem que, nove meses após o
início do programa, a quantidade de detritos que são apanhados nas redes
diminuiu significativamente. Mas, por fim, eles esperam interromper
completamente o fluxo de plástico para o oceano. Para esse fim, todos os 5 mil
pescadores se comprometeram a reduzir seu uso pessoal de plástico, ou pelo
menos garantir que ele acabe na usina de reciclagem e não no oceano. Mathias e
Xavier dizem que também não se opõem estrategicamente ao usar a culpa para
impedir que as pessoas joguem lixo nas ruas.
“Eu digo a eles: ‘Se você continuar
poluindo o oceano com plástico… como pescadores, nosso meio de subsistência
deixará de existir,’” diz Mathias. Isso, segundo ele, quase sempre faz efeito.
Fonte: National Geographic
http://noticias.ambientebrasil.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário