Para
quem conhece o interior “montanhoso” de Minas Gerais, onde a temperatura é
amena, até faz frio, fica difícil imaginar uma floresta quente e úmida ali, com
características parecidas às da Amazônia ou da Mata Atlântica. Uma pesquisa
realizada na Unicamp, no Instituto de Geociências (IG), analisou fósseis de
plantas que existiram no centro-sul do Estado, para reconstruir como era o
clima da região há cerca de 30 milhões de anos. Pois a “Amazônia mineira” que
existiu ali, que não é a floresta Amazônica de hoje, mas uma ancestral da Mata
Atlântica, pode ter registrado temperatura média anual de até 28º C e grande
concentração de chuvas.
A
constatação faz parte da tese de doutorado do biólogo Jean Carlo Mari Fanton,
realizada na área de paleobotânica sob a orientação da professora Fresia
Soledad Ricardi Torres Branco, na pós-graduação do Instituto de Geociências da
Unicamp, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp). Paleobotânica é uma das subdivisões da paleontologia, voltada
ao estudo dos fósseis de plantas.
Durante
a pesquisa, foram analisados 64 fósseis de folhas de 25 tipos diferentes de
plantas angiospermas (plantas com sementes protegidas por frutos) da região das
bacias de Gandarela e Fonseca (veja mapa nesta página), entre as cidades de
Ouro Preto, Mariana e Belo Horizonte, perto da Serra do Caraça. O material faz
parte dos acervos do Museu de Ciências da Terra, do Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM-RJ), e do Departamento de Geologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas também foram realizadas novas coletas de
fósseis na região estudada. As análises foram realizadas com o apoio de
equipamentos do IG, em Campinas.
Trata-se
de uma região com potencial paleontológico e ainda pouco estudada, explica o
autor, ao justificar a escolha da área para o trabalho de doutorado. As folhas
fósseis ficaram preservadas em depósitos de rios e lagos, resultado de um
processo especial e natural de preservação que só ocorre sob determinadas
condições. Durante as décadas de 30, 60 e 90, foram realizados trabalhos nessa
localidade, o que resultou na coleta dos principais fósseis considerados para a
pesquisa. “Esse tipo de estudo é importante para conseguir entender o nosso
clima de hoje em dia e tentar fazer previsões, cenários futuros, sobre as mudanças
climáticas. Esta discussão é pertinente pois a humanidade está queimando
combustíveis fósseis em um ritmo acelerado, sem conhecer muito bem as
consequências deste aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Fazemos
isso por nossa própria conta e risco.”
O
biólogo escolheu estudar as angiospermas porque “várias famílias deste grupo
estão associadas a condições específicas, tornando-as bons indicadores
climáticos, como é o caso das famílias tropicais”. As angiospermas formam hoje
o maior grupo de plantas, com mais de 250 mil espécies estimadas, vivendo em
todos os tipos de ambientes. Mas a sua maior diversidade é encontrada
justamente nas florestas da região tropical.
Há
30 milhões de anos (na transição da época do Eoceno para o Oligoceno), a
disposição dos continentes era outra (esqueça o mapa que está na sua cabeça): a
Cordilheira dos Andes estava se levantando (soerguendo), importantes rios
corriam para o Oceano Pacífico, as Américas do Norte e do Sul estavam separadas
(o istmo do Panamá ainda não existia), não havia tanto gelo nos polos, o mar
avançava sobre regiões do Norte e Nordeste do Brasil e a Antártica tinha
acabado de se desconectar da América do Sul “A dinâmica do clima era diferente
naquela época”, explica o biólogo. Além disso, havia grande concentração na
atmosfera de gás carbônico (CO2), resultado da intensa atividade tectônica
daquele período.
Os
fósseis coletados foram analisados com estereomicroscópios e microscópios. Os
detalhes das imagens (veja ao lado) impressionam. É possível ver a cutícula das
folhas: glândulas e pelos, por exemplo. Verdadeiros “carimbos” e “impressões”
foram deixados nas rochas, revelando, em detalhes, a morfologia da epiderme,
além da forma de suas folhas. “A estrutura epidérmica auxilia a entender o
ambiente no qual a planta habitou. As formas encontradas foram moldadas pela
seleção natural, para que a espécie vivesse o melhor possível naquele
ambiente”, explica o autor da pesquisa.
No
caso da pesquisa realizada na Unicamp, a existência de folhas grandes e largas,
com ápice estreito e alongado, indica que chovia muito na região. A análise
decorre da comparação com espécies das mesmas famílias e que existem hoje – ao
longo da evolução, as formas e estruturas mais vantajosas foram sendo selecionadas.
Em florestas tropicais úmidas, por exemplo, as plantas têm folhas em formato de
“pingadeiras” para conduzir as gotas de água até o solo, para serem usadas
depois, diferentemente do que acontece com plantas de regiões mais frias, como
tundras.
Na
pesquisa, o biólogo analisou o tipo morfológico das folhas, as nervuras
encontradas, entre outros elementos, para identificar a família à qual
pertenceram e, para estimar as temperaturas da época, utilizou a análise da
margem foliar, comparando essas folhas fósseis com as folhas de outras espécies
de angiospermas semelhantes, que existem em dada localidade conforme algumas
condições específicas de temperatura.
Embora
as plantas do passado guardem diferenças em relação às de hoje, elas
compartilham ancestrais com várias espécies que atualmente povoam a Mata
Atlântica, das famílias das mirtáceas (como as jabuticabeiras e as goiabeiras)
e das leguminosas (como o guapuruvu e o pau-brasil), entre outras.
“Provavelmente, tínhamos ali em Minas Gerais uma floresta sempre verde,
parecida com a floresta Amazônica, ou com a floresta atlântica tropical
ombrófila que temos aqui na metade norte do Brasil, em condições quentes e
úmidas”, afirma o biólogo.
Com
a elevação de parte do território brasileiro, entre as transformações
registradas ao longo de milhares de anos, a região centro-sul do Estado de
Minas Gerais ficou mais fria e menos úmida – surgiram serras e cerrados. Hoje,
a média anual de temperatura ali varia de 17 a 22o C, bem abaixo da possível
média de 28o de 30 milhões de anos atrás, de acordo com o estudo da Unicamp.
“Naquela época, provavelmente, existiram florestas tropicais úmidas na região
Sudeste. Isso pelo tipo de folhas que analisei, do mesmo tipo morfológico que
encontramos na região Amazônica. Não era a Amazônia moderna, mas sim uma
floresta com características ambientais semelhantes, em outra região do país, e
precursora da atual Mata Atlântica”, explica o autor da tese.
Segundo
a Paleobotânica, o registro mais antigo de angiospermas é de 140 milhões de
anos atrás, quando ainda os dinossauros e as gimnospermas (plantas com semente
desprotegida, como as coníferas) reinavam absolutos na Terra. Somente entre 100
e 60 milhões de anos atrás é que as angiospermas (com os mamíferos) passaram a
dominar a maioria dos ambientes. Não é de hoje que elas ajudam pesquisadores a
“viajar no tempo” em busca de pistas e evidências sobre as mudanças climáticas
ocorridas no planeta. Por exemplo, a localização de vestígios de uma floresta
em uma área, hoje, desértica, pode ajudar a avaliar as dinâmicas de
transformação que ocorreram naquela região há milhões de anos, alterando
drasticamente o cenário.
Texto:
Alessandro Silva
Fotos:
Antônio Scarpinetti Reprodução/Divulgação
Edição
de Imagens: Diana Melo
Publicação
Tese:
“Reconstruindo as florestas tropicais úmidas do Eoceno-Oligoceno do sudeste do
Brasil (bacias de Fonseca e Gandarela, Minas Gerais) com folhas de Fabaceae,
Myrtaceae e outras angiospermas: origens da Mata Atlântica”
Autor:
Jean Carlo Mari Fanton
Orientadora:
Fresia Soledad Ricardi Torres Branco
Unidade:
Instituto de Geociências (IG)
Financiamento:
Fapesp
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/.../biologo-encontra-vestigios-da-amazonia-minei..
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