A água continua sendo um mistério para a ciência. Essa substância, que é a base da vida na Terra, é tão familiar a todos que passa despercebido o fato de que ela é também um líquido com propriedades muito, muito estranhas.
Ao todo, a água tem nada menos do que 66 anomalias conhecidas, propriedades únicas, não vistas em nenhum outro líquido. Essas anomalias, que os cientistas sonham em desvendar, incluem uma densidade estranhamente variável, uma enorme capacidade de reter calor e uma elevada tensão superficial.
Contrariamente aos líquidos "normais," a água se torna mais densa quando se torna mais fria, até atingir cerca de 4º C, quando atinge sua densidade máxima. Acima e abaixo dessa temperatura, a água é menos densa. É por isso, por exemplo, que a água de um lago congela primeiro na superfície.
É a grande capacidade da água em reter calor que estabiliza a temperatura dos oceanos. E a sua elevada tensão superficial permite que os insetos andem sobre ela sem afundar, que ela se transforme em gotas, e que os vegetais consigam transportá-la de suas raízes até a mais alta de suas folhas.
"Entender essas anomalias é muito importante porque a água é a base fundamental da vida. Sem água, não há vida," diz Anders Nilsson, um dos membros da equipe que inclui cientistas dos Estados Unidos, da Suécia e do Japão. Para entender porque a água se comporta de forma tão particular "no atacado," eles estão estudando como ela se comporta em nível molecular.
Agora, usando experimentos em dois aceleradores de partículas, uma equipe internacional de pesquisadores começou a desvendar algumas das idiossincrasias moleculares da água.
Por exemplo, os cientistas sabem como as moléculas de água se organizam para formar o gelo: elas formam uma rede tetraédrica, na qual cada molécula liga-se a quatro outras.
Descobrir como as moléculas se organizam na água líquida, contudo, tem sido muito mais complicado. Essa organização tem sido alvo de debates nos últimos 100 anos. Se você procurar em um livro texto, lerá que, como a água forma tetraedros no gelo, na água "ela deve se organizar de maneira similar," apenas de forma menos estruturada, já que o calor é suficiente para causar a quebra das ligações.
Quando o gelo funde, continuam os livros-texto, as estruturas tetraédricas perdem sustentação, quebrando-se conforme a temperatura sobe, mas permanecendo tetraédricas o quando possível, resultando em uma distribuição estável em volta de estruturas tetraédricas distorcidas e parcialmente quebradas.
Mas os experimentos do grupo internacional de cientistas, feitos em aceleradores de partículas no Japão e nos Estados Unidos, sugerem que os modelos da estrutura molecular da água adotados nos livros-textos estão incorretos e que, de forma surpreendente, a água líquida parece sustentar duas estruturas distintas, uma desordenada e outra tetraédrica, não importando a temperatura em que ela se encontre.
Os cientistas descobriram também que os dois tipos de estrutura molecular são separados espacialmente, com as estruturas tetraédricas ocorrendo em "aglomerados" formados por até 100 moléculas, circundados por regiões desordenadas.
A água é uma mistura flutuante das duas estruturas em temperaturas que vão até próximo ao ponto de ebulição. Conforme a temperatura sobe, diminui a ocorrência dos aglomerados tetraédricos; mas eles estão sempre lá, com praticamente o mesmo tamanho. As regiões desordenadas tornam-se ainda mais desordenadas conforme a temperatura sobe.
O trabalho explica, ao menos parcialmente, as estranhas propriedades da água. A densidade máxima da água, ao redor dos 4° C, pode ser explicada pelo fato de que as estruturas tetraédricas têm uma menor densidade, que não varia significativamente com a temperatura, enquanto as regiões desordenadas - que têm maior densidade - tornam-se mais desordenadas, e portanto menos densas, com o aumento da temperatura.
Da mesma forma, quando a água aquece, aumenta o percentual de moléculas no estado mais desordenado, permitindo que essa estrutura excitada absorva quantidades significativas de calor, o que explica a grande capacidade da água em armazenar calor.
Já a alta tensão superficial da água poderia ser explicada pela tendência de formação de fortes ligações de hidrogênio.
Estas descobertas, e as que ainda deverão vir, dada a grande quantidade de "esquisitices" da água que continuam requerendo explicação, têm um significado muito prático para campos como a modelagem do clima, a medicina e a biologia.
"Se nós não entendemos esse material básico da vida, como poderemos estudar os materiais mais complexos, como as proteínas, que ficam imersos em água?" pergunta o Dr. Congcong Huang, responsável pela análise da água utilizando raios X. "Nós devemos entender o simples antes que possamos compreender de fato o mais complexo."
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