Rio
selvagem e floresta canadense: assim como o Canadá,
Brasil pode usar seu
patrimônio natural e humano para exportar tecnologias limpas
Pierre
Longnus/GETTY IMAGES (/)
“Alguns
países já entenderam que pode ser vantajoso aproveitar a onda de transformação
da economia global para enfrentar as mudanças climáticas. Estão se preparando
para ser os líderes globais da gigantesca mudança em curso. Essa posição de
liderança não cai do céu. Nem brota organicamente da espontânea dinâmica do
mercado interno de inovação e empreendedorismo. É preciso cuidar dela. Isso
significa que os governos desses países estão adotando políticas consistentes
para incentivar o desenvolvimento de setores com empresas e tecnologias limpas
com potencial para atender o mercado interno e competir globalmente.
O
Canadá enxergou uma chance para se posicionar como protagonista global no
mercado de produtos e serviços limpos. Apesar das diferenças de desenvolvimento
econômico, o potencial ambiental dele é muito parecido com o nosso. Assim como
o Brasil, o Canadá é rico em florestas, água, fontes de energia limpa,
minérios, povos indígenas, território e diversidade humana. A forma como os
canadenses aproveitam o patrimônio natural para estimular a qualidade de vida é
uma referência interessante para países como o Brasil.
O
plano do Canadá para o clima é bem detalhado. Ele prevê, por exemplo, a adoção
de um preço nacional para o carbono emitido. O valor mínimo foi estabelecido em
10 dólares canadenses por tonelada no ano passado, subindo até chegar a 50
dólares em 2022. Fixar um preço para o carbono é um dos meios mais eficazes de
incentivar empresas e até governos municipais e provinciais a reduzir as
emissões, buscando as saídas mais eficientes. Isso também permite que o país
que reduzir suas emissões com folga possa vender créditos para os outros. É
internacionalmente sabido que criar um preço para o carbono estimula a
competitividade das tecnologias mais limpas. Também é uma forma de tentar
precificar o impacto que as mudanças climáticas causam.
Além
disso, o Canadá criou objetivos para abandonar o carvão em várias províncias.
Ontário, a mais rica, já abandonou essa fonte energética poluidora. A província
de Alberta, apesar de ser o maior produtor do país de areia betuminosa
(poluidora na extração e no uso), tem planos para acabar com as termelétricas a
carvão até 2030. O país também criou um banco para investir em infraestrutura,
o Canada Infrastructure Bank. Ele financia investimentos em energia limpa e equipamentos
urbanos para tornar as cidades menos poluidoras — e melhores para viver. São 15
bilhões de dólares investidos em áreas como transporte público e tecnologias
para limpar as chaminés das fábricas e para produzir energia sem poluir.
Um
dos aspectos importantes dessa política é identificar os setores que têm maior
potencial para gerar empresas competitivas. No caso do Canadá, foram três
áreas. E todas elas têm lições para nós, brasileiros. A primeira é a da água.
Assim como o Brasil, o Canadá é um país rico em água, por seus rios e lagos. O
mercado de produção e tratamento gera 35 bilhões de dólares canadenses por ano.
É o maior do mundo. Aproximadamente 80% das tecnologias que o país desenvolveu
nessa área são exportadas. Isso inclui desde filtros, tratamentos para limpeza
de água e tecnologias para verificar a
segurança de tubulações até tecnologias modernas para monitorar o uso de forma
inteligente. A segunda área forte do Canadá é a geração de hidroeletricidade. O
país é o terceiro maior produtor mundial de energia hidrelétrica (atrás apenas
da China e do Brasil). A terceira área engloba a redução do impacto de
atividades potencialmente poluidoras, como a mineração.
Os
resultados estão vindo na forma de empresas que exportam com tecnologia de
ponta. Uma delas, a Echologics, está fornecendo sensores que detectam
vazamentos no sistema de tubulações, cisternas e bombas para distribuidoras de
água da Califórnia, nos Estados Unidos. Outra, a Terragon, inventou sistemas de
reúso de água industrial para a indústria mineradora operar em áreas de
natureza sensível. Está vendendo para minas remotas na Floresta Amazônica do
Equador, diminuindo em 70% a carga potencialmente poluidora que vai para os
rios. A Corvus Energy desenvolveu sistemas para barcos elétricos,
principalmente os que operam em rotas onde é possível recarregar as baterias
frequentemente. Foi o caso de um ferryboat na Noruega. A Canadian Solar é uma
das maiores fabricantes de painéis solares do mundo. Tem fábricas em vários
países, inclusive em Sorocaba, no interior de São Paulo.
Algumas
dessas empresas estão vindo com a delegação do Canadá para a primeira feira de
negócios pelo clima da América Latina, a Conexão Carbono Zero, que acontecerá
nos dias 11 e 12 de junho, no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, com o apoio de
EXAME. O evento reunirá empresas, empreendedores, financiadores e governos para
trocar experiências e criar sinergias a favor do clima, com benefícios para
todas as partes envolvidas, inclusive para nós, que precisamos do aquecimento
global sob controle.
O
sucesso do Canadá tem o crédito adicional de não estar aproveitando algum
hipotético vácuo deixado pela política antiecológica do presidente americano,
Donald Trump. Isso porque, apesar de Trump estimular indústrias de energias fósseis,
como o carvão e o petróleo, as fontes renováveis e limpas continuaram crescendo
nos Estados Unidos. Em abril deste ano, pela primeira vez na história, as
fontes limpas americanas geraram mais eletricidade do que o carvão. Ou seja,
mesmo com a monumental máquina industrial americana operando a todo vapor para
gerar tecnologias limpas bem ali do lado, os canadenses estão encontrando seu
espaço. Isso indica a vastidão das oportunidades disponíveis para todos os
países que correrem agora.
A
transição energética
É
só perguntar aos dois líderes mundiais: Alemanha e China, não por acaso os dois
maiores exportadores do planeta. A estratégia alemã, batizada de Energiewende
(algo como ‘Transição energética’), é um projeto de longo prazo alimentado
pelos gestores públicos. E que está gerando lucros. O país subsidiou por
décadas a pesquisa em energia eólica e solar, criando empresas robustas no meio
do caminho. A Alemanha adotou metas ambiciosas de energia limpa no mercado
interno. Foi criticada por alguns, mas continua sendo uma potência exportadora,
com qualidade de vida para seus cidadãos.
A
China decidiu seguir o exemplo e dominar o mercado de energia limpa do planeta.
Embora seja o país que mais consuma energia, queimando metade do carvão mineral
do mundo, a China também se transformou em líder na produção de painéis
solares. Tem quatro dos dez maiores produtores de turbinas para energia eólica.
Lidera a produção de baterias, elemento estratégico para o sucesso da energia
renovável e da eletricidade nos veículos. Também é a maior produtora de carros
elétricos do mundo. ‘Embora a China e a Alemanha estejam entre os maiores
emissores de gases de efeito estufa (respectivamente, no primeiro e no sexto
lugar), os dois países, provavelmente mais do que quaisquer outros, entenderam
as oportunidades econômicas que vêm com a proteção do clima’, afirma Bjorn
Conrad, pesquisador do think thank alemão Instituto Mercator para Estudos
Chineses.
Até
as crianças sabem disso. Ou principalmente elas. ‘Agora estou falando para todo
o mundo’, disse a estudante sueca Greta Thunberg, de 16 anos, eleita Pessoa do
Ano pela revista americana Time. A adolescente liderou um movimento
internacional para pressionar os adultos a fazer algo para evitar os piores
efeitos das mudanças climáticas. Greta não está sozinha. Diante do crescente
peso das tragédias climáticas (com enchentes, secas, ondas de calor e
tempestades) em todos os países, e apesar dos negacionistas da ciência do
clima, a economia global continuará sua transição para modos de produção de
bens e serviços com menos emissões. Ou talvez até emissão zero. Se o Brasil
ouvir Greta e observar o que fazem as economias exportadoras, poderá aproveitar
seus imensos potenciais natural e humano para virar um dos gigantes do clima.”
Alexandre
Mansur é diretor de estratégia da consultoria O Mundo Que Queremos
Revista
Exame
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