O etanol é um substituto eficiente do petróleo tanto em termos ecológicos quanto energéticos. Mas isto não significa que ele possa substituir todo o
petróleo usado no mundo.
O setor de transportes consome cerca de metade da produção da indústria petrolífera - a outra metade abastece a indústria química, que produz todo tipo de material sintético, dos plásticos e solventes até os gases industriais, como o hidrogênio.
Mas pode haver saídas também para a criação de uma química verde: as microalgas e as pequenas plantas aquáticas da família das Lemnaceaes podem ser usadas para a obtenção de combustível em forma de óleo.
Esta proposta foi defendida pelo norte-americano Richard Sayre, durante o 2º Congresso Pan-Americano sobre Plantas e Bioenergia, que terminou ontem em São Pedro (SP).
Para Sayre, as algas são uma opção sustentável, têm estruturas mais simples e se reproduzem em velocidades muito maiores do que as dos outros vegetais e têm grande capacidade de absorver dióxido de carbono (CO2).
"A gasolina pode ser substituída por etanol, porém outros combustíveis e produtos derivados de petróleo dependem de matérias-primas baseadas em óleo", afirmou ele, ressaltando que o óleo tem o dobro da densidade energética do etanol.
Na comparação entre as fontes de biodiesel, as algas também apresentam uma produtividade 10 vezes superior à das demais matérias-primas - são 58.700 litros de óleo por hectare cultivado, contra 5.950 litros de óleo de palma, a segunda colocada.
"Essa é uma estimativa modesta, que considera a extração de 30% de óleo da biomassa, mas podemos extrair até 70% elevando a produtividade para 136.900 litros de óleo por hectare", afirmou.
Além disso, as algas não possuem tecidos heterogêneos, como folhas, galhos e raízes, o que elimina um dos maiores obstáculos para a obtenção dos biocombustíveis de plantas: a quebra da parede celular.
Outra vantagem apontada pelo pesquisador é o alto teor de óleo das células das algas, que podem apresentar até 50% de lipídios não polares, mais fáceis de serem quebrados, e possuem de 10% a 45% mais energia do que as matérias-primas obtidas de carboidratos.
O desafio da equipe de Sayre está em desenvolver melhorias genéticas a fim de aprimorar a conversão de energia solar no interior das células. Essa conversão depende do tamanho de estruturas chamadas de complexo LHCII. Por serem muito grandes, essas estruturas recebem mais energia do que conseguem processar e o excedente (cerca de 60%) acaba sendo desperdiçado.
A viabilidade econômica da produção de biodiesel de algas foi conquistada ao longo dos anos graças aos avanços obtidos em pesquisa. "Hoje, conseguimos produzir biodiesel de algas ao custo de US$ 2 por galão, sem subsídio algum do governo. Há três anos, esse mesmo galão custava US$ 100", comparou.
O especialista norte-americano propõe também que as algas sejam aplicadas na solução de outro problema das grandes cidades: o tratamento de esgoto. Algas capazes de decompor matéria orgânica poderiam ser cultivadas em estações de tratamento. Além da limpeza da água, o cultivo produziria biodiesel e absorveria uma boa parte do CO2 da atmosfera.
No exemplo de Sayre, o tratamento de esgoto de uma cidade como Nova Iorque produziria 10 milhões de litros de biodiesel de algas por ano e absorveria 40% do CO2 emitido por uma termelétrica de 200 MWh movida a carvão. "Também haveria ganhos adicionais com a produção de metano e de produtos para ração animal", completou.
A menor planta do mundo capaz de produzir flores é outra fonte promissora de biocombustível, de acordo com o professor Eric Lam, do Departamento de Biologia e Patologia Vegetal da Universidade do Estado de Nova Jersey - Rutgers, nos Estados Unidos.
Conhecidas no Brasil como lentilhas d'água, as plantas da família Lemnaceae são capazes de se reproduzir sobre água doce ou salobra. São cinco gêneros e 40 espécies conhecidas que se espalham em regime perene por praticamente todo o planeta, com exceção das regiões desérticas e polares.
Nos Estados Unidos, elas são chamadas de duckweeds ("erva de pato"), por servirem de alimento às aves aquáticas, que aproveitam as estruturas ricas em gordura, proteínas e amido da planta.
Assim como as algas, as lentilhas d'água se reproduzem com velocidade muito maior do que a dos demais vegetais. "Os exemplares da espécie Wolffia microscopica dobram de quantidade a cada 30 horas", disse Lam.
Essa proliferação se deve ao fato de as Lemnaceaes se propagarem principalmente de maneira assexuada, produzindo clones genéticos. Outra diferença é que essas plantas aquáticas são extremamente pobres em lignina, macromolécula responsável pela defesa imunológica, pelo transporte de água e nutrientes e, especialmente, pela estrutura física da planta, conferindo-lhe suporte mecânico.
Lam especula que a pouca concentração de lignina nas lentilhas d'água seria um fruto da adaptação desses vegetais ao habitat aquático, no qual não seria necessária igual rigidez.
A baixa presença de lignina é uma vantagem importante na fabricação de biocombustível porque quebrar essa molécula tem sido um dos maiores desafios da pesquisa em combustíveis de origem vegetal.
Recuperação de águas contaminadas
De maneira similar às algas, as Lemnaceaes têm a capacidade de recuperar águas contaminadas, uma vez que reduzem coliformes, absorvem metais pesados e consomem parcelas consideráveis de nitrogênio e fósforo. Elas também têm um papel importante no ecossistema ao estimular a presença de anfíbios e de outros animais aquáticos.
Em uma experiência realizada em uma fazenda de porcos nos Estados Unidos, o professor Jay Cheng, da Universidade do Estado da Carolina do Norte, conseguiu em 12 dias eliminar completamente altas concentrações de nitrogênio e potássio que a criação emitia no lago da fazenda apenas com aplicação de lentilhas d'água.
O mesmo experimento utilizou as plantas na produção de combustível e obteve uma produtividade cinco vezes maior por unidade de área cultivada em comparação com o etanol obtido do milho.
A planta ainda pode ser obtida em regiões em que ela se prolifera como invasora. Lam apresentou dois exemplos, um no lago Maracaibo, na Venezuela, e outro em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Em ambos, as Lemnaceaes ocuparam quase toda a superfície dos lagos, prejudicando o ecossistema.
"As autoridades locais vão adorar se você se dispuser a retirar essas plantas dos lagos. É uma fonte abundante e gratuita para o produtor de biocombustível", disse Lam.
Segundo ele, algas e Lemnaceaes são fontes por excelência de biocombustível, pois, além de recuperar águas contaminadas e absorver CO2, elas não competem por terras agriculturáveis nem com a produção de alimentos como milho e soja.
Agência Fapesp
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